A usucapião está prevista no Código Civil e consiste no direito de alguém poder reclamar a propriedade de algo que não é seu por registo, mas apenas por utilização ou gozo durante determinado período de tempo. É um termo derivado do latim (usucapio) que significa “adquirir pelo uso”.

Como fazer para poder recorrer à usucapião

Se alguém utiliza um imóvel como sendo seu, isso não basta, por si só, para utilizar a figura da usucapião. A lei exige a verificação de uma série de condições e períodos mínimos de tempo nessa utilização.

Condições para a usucapião

Para ser possível invocar a usucapião, é necessário, antes de mais, que a pessoa que utiliza o bem se comporte como "único e legítimo" proprietário do bem em causa. A lei refere:

Utilização pública

O uso de um bem por determinada pessoa deve ser reconhecido de forma generalizada. A utilização do bem é do conhecimento das pessoas nas redondezas, que reconhecem o utilizador como "proprietário". Não conhecem ninguém que se intitule como "legítimo proprietário".

Utilização pacífica

A utilização do bem não deve dar origem a qualquer tipo de conflito. Nos casos em que a posse seja feita com violência ou de forma oculta, os prazos da usucapião só começam a contar-se quando cesse a violência ou a posse se torne pública.

Uso ininterrupto

A utilização do bem como se fosse do próprio deve ser continuada, ou seja, é necessário que a pessoa não abandone o bem de tempos a tempos. O utilizador deve ser reconhecido, publicamente, como utilizador regular do bem em causa.

Quantos anos são necessários para que um bem imóvel possa ser adquirido por usucapião?

O prazo necessário para que possa ser invocada a usucapião varia conforme a atuação seja de boa-fé ou de má-fé.

atuação de boa-fé é aquela em que uma pessoa usa um bem que não é seu, com toda a dedicação, desconhecendo que está a lesar o direito de outra pessoa. Assume que ele está ao abandono e nunca, desde a sua ocupação, apareceu o proprietário. Não gera conflitos e a sua ação é reconhecida publicamente como "boa". 

Uma atuação de má-fé é aquela em que se sabe que o bem tem, de facto, um dono. No entanto, há uma atuação "à revelia", de forma oculta, em que o utilizador se aproveita da ausência continuada do proprietário.

A lei distingue ainda as situações em que existe título de aquisição e registo, ou apenas mera posse. 

Assim, existindo título de aquisição e registo, e posse de boa-fé, o direito de propriedade por usucapião gera-se ao fim de 10 anos, após a data do registo. Na posse de má-fé, esse direito gera-se ao fim de 15 anos de utilização, contados da mesma data.

Não havendo título de aquisição e registo, mas apenas mera posse, a usucapião pode ser invocada ao fim de 5 anos de utilização de boa-fé, e ao fim de 10 anos se for de má-fé, ambos contados da data do registo.

Na ausência de título de aquisição e de mera posse, a usucapião pode ser utilizada ao fim de 15 anos, se a posse tiver sido de boa-fé, ou de 20 anos, se a posse tiver sido de má-fé.

O que fazer para adquirir um bem imóvel por usucapião

A aquisição de um imóvel por usucapião, verificadas as condições e os prazos descritos atrás, segue as regras descritas no Código do Notariado (art.º 89.º e seguintes) e no Código do Registo Predial (art.º 116.º e seguintes).

O interessado pode, mediante escritura de justificação notarial, solicitar que lhe seja reconhecido o direito à propriedade desse bem. Para isso, terá que:

  • declarar que é, com exclusão de qualquer outra pessoa, o possuidor do bem imóvel;
  • especificar a causa da sua aquisição e referir as razões que o impossibilitam de a comprovar pelos meios normais;
  • na usucapião baseada em posse não titulada, deve mencionar-se expressamente as circunstâncias que determinam o início da posse, bem como as que caracterizam a utilização do bem e que deram origem à usucapião.

O pedido de reconhecimento deste direito deve ser efetuado num serviço de registo predial. O processo de aquisição vai exigir, nomeadamente:

  • a existência de 3 testemunhas sem relação de parentesco direto, que atestem a relação do utilizador com o bem em que está interessado (meio de prova);
  • a entrega dos documentos (meios de prova) que os serviços considerem necessários em cada situação concreta;
  • o pagamento de emolumentos;
  • a afixação de editais; 
  • um período para que terceiros se possam opor à aquisição.

Não havendo nenhum terceiro que se oponha, o imóvel passará para o interessado que o reclamou para si por usucapião. 

Esta é uma forma simplificada de apresentar o processo, não dispensando, por isso, a consulta dos códigos e artigos aqui identificados e/ou o recurso a assessoria jurídica especializada, caso necessite de iniciar um processo deste tipo.

O mesmo se aplica se estiver do lado contrário, isto é, se suspeitar do uso indevido de determinado bem de que é proprietário. No entanto, antes de avançar para assessoria jurídica, certifique-se de que existe o risco de uma eventual tentativa de aquisição por usucapião, conforme descrito nos pontos anteriores.

Prazos da usucapião de bens móveis

No caso de bens móveis a lei distingue, antes de mais, as coisas sujeitas a registo. Distingue igualmente as situações em que a posse continuada é de boa-fé ou de má-fé. 

Assim, para as coisas sujeitas a registo (automóvel, por exemplo), a usucapião acontece:

  • havendo título de aquisição e registo, e possuidor de boa-fé, quando a posse tiver durado 2 anos;
  • havendo título de aquisição e registo, e possuidor de má-fé, quando a posse tiver durado 4 anos;
  • não havendo registo, independentemente da boa-fé do possuidor e da existência de título, quando a posse tiver durado 10 anos.

Nas coisas não sujeitas a registo, a usucapião dá-se quando a posse, de boa-fé e titulada, tiver durado 3 anos, ou quando, independentemente da boa-fé e de título, tiver durado 6 anos.

Também nas situações de bens móveis em que haja posse com violência ou tomada ocultamente, os prazos da usucapião só começam a contar-se desde que cesse a violência ou a posse se torne pública.

Legislação aplicável

O Capítulo VI do Código Civil é dedicado à usucapião. Os artigos 1287.º a 1300.º descrevem o enquadramento legal da usucapião de bens imóveis e bens móveis.

No Código do Registo Predial (art.º 116.º e seguintes) e no Código do Notariado (art.º 89.º e seguintes) poderá consultar a legislação associada ao processo de aquisição de um imóvel por usucapião, nomeadamente sobre o processo de justificação notarial, referida neste artigo.

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Paula Vieira
Paula Vieira
Economista pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto. É consultora em processos de fusão e aquisição de empresas, finanças e gestão.