Está a Arábia Saudita a perder a batalha dos preços do petróleo?

Os últimos cortes de produção da Arábia Saudita não tiveram o efeito desejado, com o petróleo a manter a tendência negativa nos mercados.

O poder da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) tem passado por altos e baixos ao longo dos últimos anos, mas o grupo de países produtores liderado pela Arábia Saudita tem conseguido manter uma influência muito relevante nas cotações do petróleo. A reação dos mercados às últimas decisões indicia que a capacidade da OPEP de controlar os preços está a perder eficácia.

As decisões que são adotadas de forma regular em Viena, capital da Áustria onde está a sede do cartel, têm implicações determinantes na economia e geopolítica mundial. A atuação da OPEP teve um papel relevante na espiral inflacionista que arrancou com a escalada dos preços da energia, forçando os bancos centrais a subir as taxas de juro em catadupa e derrubando o poder de compra das famílias.

Ao não atuar para travar a alta dos preços do petróleo, a OPEP tem também um papel decisivo para suportar a Rússia na guerra na Ucrânia. Sem as receitas com as cotações elevados do petróleo, dificilmente o Kremlin conseguiria suportar os gastos militares para uma operação prolongada.

A formação dos preços do petróleo continua muito longe de ser determinada apenas pelo equilíbrio livre entre a procura e a oferta, sendo certo que a OPEP continuará a atuar para travar qualquer movimento prolongado de queda nos preços do petróleo. Mas o nível de influência do grupo que produz mais de 40 milhões de barris de petróleo por dia (cerca de 40% do consumo mundial) parece estar a desvanecer.

Decidir ao contrário

Habitualmente, o cartel adota decisões racionais e em linha com o objetivo de maximizar as receitas com a produção petrolífera. Reduz as quotas de produção quando a oferta é abundante para fazer face à procura. Ou aumenta as quotas de produção se existe uma escassez de matéria-prima no mercado e a procura está a subir.

Mas as decisões da OPEP vão além da reação de curto prazo à evolução das cotações. Em meados da década passada, o cartel “inundou” o mercado de petróleo, forçando uma baixa nas cotações, com objetivo de derrubar o gás de xisto dos Estados Unidos. Esta indústria necessita de preços mais elevados para ser viável, pelo que muitos produtores norte-americanos não resistiram à queda nos preços.

Mais recentemente, a OPEP adotou uma estratégia contrária. Apesar do aumento da procura no pós-pandemia e do disparo das cotações após o início da guerra na Ucrânia, o cartel cortou a produção para combater a tendência descendente das cotações.  

Este movimento está a ser liderado pela Arábia Saudita, que é o líder informal do cartel de 23 membros que passou a designar-se OPEP+ com a adição da Rússia e outros nove países produtores de petróleo em 2006. Numa estratégia pouco habitual, o reino está a implementar cortes unilaterais de produção, que para já estão a revelar-se um fracasso no objetivo de impulsionar as cotações de petróleo.

Guerra após a pandemia

É necessário recuar alguns anos para entender a postura atual da Arábia Saudita. Com o mundo fechado em casa durante os primeiros tempos da pandemia, o consumo de petróleo caiu a pique e as cotações seguiram o mesmo caminho. A matéria-prima até chegou a transacionar em valores negativos em 2020, com os investidores a desfazerem-se do petróleo devido aos custos para o armazenar.

A OPEP+ respondeu com um corte de cerca de 10% da produção, ainda assim insuficiente para fazer face à descida abrupta da procura. Com a reabertura gradual das economias após a fase mais aguda da pandemia, o consumo recuperou e a OPEP+ começou a reverter estes cortes de produção a um ritmo mensal, o que permitiu uma recuperação gradual das cotações.

A invasão da Ucrânia por parte da Rússia representou um novo choque no mercado petrolífero, que fez disparar as cotações de regresso aos três dígitos. Com a procura já próxima dos níveis pré-pandemia e grande parte do crude russo fora do mercado para os consumidores ocidentais, os membros da OPEP resistiram aos apelos para aumentar a produção, num confronto com os Estados Unidos que evidencia a forte influência da geopolítica nas decisões que são adotadas pelo cartel.

A estratégia foi mesmo a inversa. Com o petróleo a baixar da fasquia dos 100 dólares, poucos meses depois do início da guerra, a OPEP aplicou um corte de 2 milhões de barris por dia a partir de novembro de 2022. Em abril deste ano, voltou a surpreender com uma nova redução de 1,66 milhões de barris por dia, alargando os cortes para o equivalente a 3,6% do consumo mundial.

Na reunião que o cartel realizou em Viena, neste mês de junho, foi decidido prolongar estes cortes até ao final de 2024. E a Arábia Saudita, numa decisão pouco habitual, avançou sozinha com uma redução adicional de 1 milhão de barris por dia.

Paciência saudita

Quando a OPEP anunciou, em abril, o primeiro corte surpresa na produção, o Brent negociava em redor de 85 dólares por barril. Apesar da reação inicial em alta, um mês depois, a cotação do petróleo negociado em Londres estava a ser transacionado pouco acima dos 70 dólares.

Já depois de o cartel ter voltado à carga em junho, com o segundo corte de 2023, o Brent atingiu mínimos de novembro de 2021. Uma evidência de que a estratégia da OPEP, para já, não está a surtir o efeito desejado.

O poderoso ministro da Energia da Arábia Saudita, Abdulaziz bin Salman Al Saud, comparou o corte unilateral de junho a um “rebuçado” oferecido pelo reino. Esta redução vai vigorar por tempo indeterminado, com o responsável da Arábia Saudita a garantir que vai fazer tudo o que for necessário para equilibrar o mercado.

O líder informal da OPEP está a cortar a produção para cerca de 9 milhões de barris por dia, um dos níveis mais baixos deste século. No passado, tem demonstrado paciência até a estratégia produzir resultados, mas esta poderá esgotar-se se outros membros da OPEP e a Rússia não colaborarem nas ações para manterem a oferta em níveis apertados.

A atual conjuntura não parece jogar a favor da Arábia Saudita. A agressiva campanha de subida de taxas de juro dos bancos centrais está a travar a atividade económica a nível global, o que deprime a procura. A China, que é o maior consumidor mundial da matéria-prima, está também a abrandar o crescimento económico depois de a reabertura do país ter motivado apenas uma ligeira recuperação.

Após cinco meses em queda, os preços do petróleo conseguiram recuperar ligeiramente em junho, mas ainda acumulam uma queda de cerca de 15% em 2023. Se a tendência perdurar e, tal como os analistas estimam, os preços continuarem afastados dos três dígitos, a Arábia Saudita pode vir a arrepender-se de estar a assumir grande parte do esforço para equilibrar o mercado, com evidentes perdas de receitas para o reino.

Leia ainda: O que influencia o preço dos combustíveis?

Nasceu em 1977, sendo jornalista desde 1999. Iniciou a carreira no Jornal de Negócios, onde esteve mais de 20 anos, ocupando várias funções, sempre com foco no online. Atualmente é jornalista independente, assina a newsletter diária de mercados Morning Call e colabora de forma regular com o ECO. Formado em Gestão no ISEG, tem especial interesse por tudo o que está relacionado com os mercados financeiros.

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