Para ajudá-lo na validação das suas contas do IRS, vamos usar exemplos práticos e percorrer todas as etapas do cálculo até ao apuramento do imposto de 2020, a declarar daqui a umas semanas.
Não esqueça, entre 1 de abril e 30 de junho de 2021 decorre o prazo de entrega da Declaração de IRS referente aos rendimentos que auferiu em 2020.
Papéis, comprovativos, contas e continhas, é isto que nos acontece quando pretendemos validar as contas que a AT nos apresenta. Vamos tentar descomplicar, passo a passo, com exemplos, e perceber os cálculos que a AT faz com os nossos rendimentos e com os nossos "papéis":
Passo 1. apuramento do rendimento coletável
O rendimento coletável, para efeitos de IRS, é o rendimento do contribuinte ou do agregado familiar, abatido das chamadas deduções específicas. É o montante assim apurado que determina, depois, a taxa de imposto aplicável, conforme o escalão onde se encontrar.
Os casais ou unidos de facto que optem pela tributação conjunta, obtêm o seu rendimento coletável depois da aplicação do quociente conjugal, que não é mais do que o cálculo do rendimento médio do casal. Divide-se por 2, neste caso, o rendimento total do casal.
A dedução específica
Um trabalhador por conta de outrem, ou um pensionista, por exemplo, tem direito a uma dedução específica de 4.104 euros no IRS. Caso o valor anual de descontos para a Segurança Social seja superior a 4.104 euros, será considerado o maior valor. Temos então, para a categoria A (trabalho dependente) e categoria H (pensões), as seguintes deduções específicas:
- € 4.104 ou o valor dos descontos para a Segurança Social, se este for superior;
- indemnizações pagas pelo trabalhador por rescisão unilateral do contrato de trabalho, sem aviso prévio;
- quotas para sindicatos, até 1% do rendimento bruto, acrescidas de 50%.
Vejamos então, com o exemplo da Carolina e do António, como chegamos ao rendimento coletável. São casados (tributação conjunta), residentes no Continente, trabalhadores dependentes, com 1 filho (mais de 3 anos):
- Rendimento anual bruto da Carolina: € 16.800 (€ 1.200 x 14 meses)
- Rendimento anual bruto do António: € 11.200 (€ 800 x 14 meses)
- Deduções específicas de cada um dos cônjuges: € 4.104 (admitindo que o valor dos descontos não é superior a € 4.104, caso contrário seria considerado o maior valor)
- Rendimento coletável da Carolina: € 12.696 (€ 16.800 - € 4.104)
- Rendimento coletável do António: € 7.096 (€ 11.200 - € 4.104)
- Rendimento coletável do casal, após aplicação do quociente conjugal: € 9.896 [(€ 12.696 + € 7.096) / 2]
Caso não haja lugar a tributação conjunta, a divisão por dois não se aplica.
Será então sobre € 9.896 que vai incidir a taxa de imposto a aplicar e esta depende do escalão de IRS onde o rendimento se situa.
Passo 2. identificação do escalão de rendimento e aplicação das taxas de IRS
Comecemos por conhecer os escalões de IRS e as taxas aplicáveis (art.º 68.º do CIRS):
Escalão | Rendimento coletável | Taxa normal | Taxa média |
1.º | até € 7.112 | 14,50% | 14,50% |
2.º | mais de € 7.112 até € 10.732 | 23,00% | 17,367% |
3.º | mais de € 10.732 até € 20.322 | 28,50% | 22,621% |
4.º | mais de € 20.322 até € 25.075 | 35,00% | 24,967% |
5.º | mais de € 25.075 até € 36.967 | 37,00% | 28,838% |
6.º | mais de € 36.967 até € 80.882 | 45,00% | 37,613% |
7.º | superior a € 80.882 | 48,00% | - |
Como se constata, cada escalão de rendimento apresenta duas taxas. Na verdade, o seu rendimento não é todo tributado à mesma taxa. Quando o rendimento coletável é superior a € 7.112, é dividido em duas partes não iguais, onde:
- a 1.ª parte é igual ao limite máximo do maior dos escalões que nele couber, à qual se aplica a taxa média desse escalão;
- a 2.ª parte é igual ao excedente (diferença entre o rendimento coletável e a 1ª parte), à qual se aplica a taxa normal do escalão imediatamente superior.
Vejamos como aplicar as taxas de IRS, continuando com o nosso exemplo:
Tínhamos apurado o rendimento coletável do casal: € 9.896. O escalão que cabe inteiramente nos € 9.896 é o primeiro escalão "até € 7.112".
Mas "sobram" € 9.896 - € 7.112, ou seja, "sobram" € 2.784 que vamos enquadrar no escalão imediatamente superior, o segundo escalão ("mais de € 7.112 até € 10.732"). Agora aplicamos as taxas:
- 1ª parte: € 7.112 x taxa média = € 7.112 * 14,5% = € 1.031,24
- 2ª parte: € 2.784 x taxa normal = € 2.784 * 23% = € 640,32
O valor assim apurado é de € 1.671,56, sendo o resultado da soma de € 1.031.24 e € 640,32.
Mas porque falamos de um casal, lembre-se que há pouco aplicamos o coeficiente conjugal (/2) para saber o rendimento coletável do casal. Pois agora, fazemos o inverso e multiplicamos por dois o resultado obtido: € 3.343 (€ 1.671,56 x 2).
Acabamos de apurar a coleta de imposto.
Passo 3. deduções à coleta e apuramento do imposto
Consideremos as seguintes despesas do casal:
- Despesas gerais e familiares da Carolina: € 4.000
- Despesas de saúde da Carolina: € 100
- Despesas gerais e familiares do António: € 1.000
- Despesas de saúde do António: € 200
- Despesas com educação do filho: € 3.000
- Despesas de saúde do filho: € 1.000
Agora, à coleta apurada no passo anterior, vamos efetuar as deduções à coleta, de acordo com as regras, isto é, não vamos poder abater tudo. Cada classe de despesa tem os seus limites e há, depois, também, um limite global. Vamos lá:
- deduções dos descendentes: € 600 --> € 600 por cada dependente - art.º 78.º A do CIRS
- despesas gerais e familiares: € 500 --> 35% das despesas totais, com o limite de € 250 por sujeito passivo - art. 78.º B do CIRS
- despesas de saúde: € 195 --> 15 % dos encargos totais, com o limite global de € 1.000 - art.º 78.º C do CIRS
- despesas com educação: € 800 --> 30% das despesas com o limite de € 800 - art.º 78.º D do CIRS
A soma das deduções à coleta por categoria seria então de € 600 + € 500 + € 195 + € 800 = € 2.095
Cálculo do limite máximo global de deduções à coleta
O CIRS estabelece um limite global máximo às deduções à coleta, por agregado familiar, nos seguintes termos:
- se o rendimento coletável for inferior a € 7.112 (1º escalão de rendimento), não existe limite;
- se o rendimento coletável for superior a € 80.882 (último escalão), o limite global é de € 1.000;
- se o rendimento coletável estiver compreendido entre € 7.112 e € 80.882, o limite global dedutível tem um mínimo de € 1.000 e um máximo de € 2.500, resultando da seguinte fórmula:
+ € 1.000 + [(€ 2.500 - € 1000) X (€ 80.882 - Rend. Colet.) / (€ 80.882 - € 7.112)] , ou seja:
1.000 + [1.500 x (80.882 - Rend. Colet.) / 73.770].
Aplicando ao nosso caso (rendimento coletável de € 3.343):
+ € 1.000 + € 1.500 x (€ 77.539 / € 73.770) = + € 1.000 + € 1.500 x 1,05 = € 1.000 + € 1.577 = € 2.577
Obtemos assim um teto máximo para as deduções à coleta deste casal de € 2.577, mas como as deduções efetivas ficam aquém deste valor, a Carolina e o António poderão deduzi-las na totalidade, isto é, poderão deduzir €2.095.
Para conhecer a lista de despesas passíveis de deduzir à coleta consulte Despesas: o que pode deduzir no IRS em 2021.
Vamos agora chegar ao imposto efetivamente devido pelo casal: a coleta líquida. Esta obtém-se deduzindo à coleta as deduções que acabamos de calcular: € 3.343 - € 2.095 = € 1.248. Eis o imposto devido ao Estado (e que a AT vai apurar), pelos rendimentos obtidos no ano anterior, neste caso, 2020.
Passo 4: o "acerto de contas"
Se o casal fez retenção na fonte de imposto ao longo de 2020, então parte do imposto já foi adiantado ao Estado. Há que fazer agora algo como "um acerto de contas". É o que o Estado irá fazer.
Retomemos o nosso caso prático. Analisemos as retenções na fonte efetuadas pelo casal ao longo de 2020:
- Rendimento mensal bruto da Carolina: € 1.200 --> retenção na fonte mensal de IRS à taxa de 11,8% (€ 141,60 mensais; € 1.982,40 anuais)
- Rendimento mensal bruto do António: € 800 --> retenção na fonte mensal de IRS à taxa de 3,5% (€ 28 mensais; € 392 anuais)
Assim, o montante "retido" de IRS e adiantado ao Estado foi de € 1.982 + € 392 = € 2.374.
Verifica-se, pois, que a retenção de IRS ao longo de 2020 (€ 2.374) foi superior ao montante de imposto apurado no nosso passo anterior (€ 1.248). Neste caso, a Carolina e o António terão que ser reembolsados pela parcela que "pagaram a mais". Receberão, então € 1.126 (€ 2.374 - € 1.248).
Caso se verificasse a situação inversa, estes nossos contribuintes hipotéticos teriam que liquidar um adicional de imposto no mesmo montante.
Nota: para apuramento dos valores de retenção na fonte, foram utilizadas as tabelas de retenção na fonte em vigor em 2020.
Vamos agora considerar um exemplo mais simples e re-calcular todos os passos.
Solteiro, sem filhos
Tomemos agora um exemplo completo para o caso de um solteiro, sem dependentes, residente no Continente. As contas ficariam mais simples, logo porque não teríamos a aplicação do quociente conjugal.
1) apuramento do rendimento coletável / coleta
- rendimento anual bruto de € 49.000 (salário mensal bruto de € 3.500)
- dedução específica: € 5.390 (descontos para a Segurança Social superiores a € 4.104)
- rendimento anual liquido: € 49.000 - € 5.390 = € 43.610
- limite máximo do maior dos escalões que cabe em € 43.610: € 36.967 (escalão que vai de € 25.075 até € 36.967)
- 1ª parte: 28,838% x € 36.967 = € 10.660,54 (aplicação da taxa média, ao "máximo" do escalão)
- excedente: € 43.610 - € 36.967= € 6.643
- 2ª parte: 45% x € 6.643 = € 2.989,35 (aplicação da taxa normal do escalão superior, ao "excedente" )
- rendimento coletável (neste caso igual à coleta porque não há quociente conjugal): € 10.660,54 + € 2.989,35 = € 13.649,89
2) apuramento das deduções à coleta
Despesas:
- Despesas de saúde: € 500
- Despesas gerais e familiares: € 3.000
Deduções à coleta:
- Despesas de saúde: 15% com um limite de € 1.000 --> vai deduzir € 75
- Despesas gerais e familiares: 35% das despesas totais, com o limite de € 250 por sujeito passivo --> vai deduzir € 250
Soma das deduções à coleta: € 325
Teto máximo das deduções à coleta: € 1.000 + [€1.500 x (€ 80.882 - Rend. Colet.) / € 73.770] = € 1.000 + [€ 1.500 x (€ 80.882 - € 13.650) / € 73.770] = € 2.367
Valor das deduções à coleta (vai ser possível abater todas considerando que o limite máximo é bastante superior): € 325
2) apuramento da coleta líquida
Coleta líquida: € 13.650 - € 325 = € 13.325
3) apuramento do valor de imposto a pagar ou a receber
Retenção na fonte: € 1.029 / mês (€ 3.500 x 29,4%), o equivalente a € 14.406 no ano de 2020.
Imposto a pagar vs retenção na fonte: como o valor da retenção na fonte foi superior ao montante de imposto devido, há lugar a reembolso pela diferença € 1.081 (€ 14.406 - € 13.325).
Nota: para o cálculo da retenção na fonte, foram utilizadas as tabelas de retenção na fonte de IRS em vigor em 2020.
Principais prazos a reter relacionados com a entrega da declaração de IRS
fevereiro 2021: até dia 15 deve comunicar alterações do seu agregado familiar e até dia 25, validar faturas / confirmar despesas no sistema e-fatura.
março 2021: entre o dia 15 e o dia 31 decorre o prazo para reclamação, em caso de discordância com as despesas gerais e familiares e com os benefícios por exigência de fatura que são apurados pela AT.
abril a junho 2021: entre 1 de abril e 30 de junho decorre o prazo de entrega da declaração de IRS.
Para consultar o calendário de entrega do IRS em 2021, consulte o artigo Entrega do IRS em 2021: consulte os prazos e datas importantes.